domingo, 21 de agosto de 2011

Minas é Minas e ponto final


Na minha última ida a BH, no final de julho/início de agosto deste ano, dei uma passada no Vila Gourmet para um almoço. Para mim, ele é de longe o melhor restaurante da cidade quando o assunto é almoço executivo, ou seja, aquela parada no meio do expediente para comer e, na medida do possível, tentar resolver alguns assuntos fora do trabalho. Como todo restaurante no centro de uma cidade convencional, ele sofre da superlotação, mas nada que o desqualifique mais do que os outros. De resto, a comida é variada e atende aos mais diversos gostos, dos veganos aos pecadores carnívoros, como eu.

Mas, quando vou ao Vila Gourmet, há algo que tenho muito prazer em fazer além de me deliciar com as iguarias da casa: levar uma boa prosa com a gerente do estabelecimento, a Simone, uma funcionária exemplar que está na casa desde a sua inauguração. Além de ter um ótimo papo, ela carinhosamente faz o meu prato, já que, por ser cego, é um tanto complicado para mim desempenhar essa tarefa. E enquanto ela gentilmente corta as carnes para facilitar a minha vida, o papo vai rolando. (A foto mostra o prato arrumado pela Simone, já com as carnes devidamente cortadas.)

Em nossa última conversa, Simone e eu concordamos em um ponto: determinados pratos regionais só mantêm sua originalidade se forem feitos por pessoas nativas do lugar ou por alguém que tenha sido formado dentro da culinária daquele lugar. Assim é a a tradicional cozinha mineira. Por melhor chef que alguém seja, se não teve uma convivência estreita dentro de uma cozinha mineira, não fará a coisa do jeito certo. Note que o Vila Gourmet não é um restaurante especializado em comida mineira, mas os pratos dessa culinária que saem de lá são excelentes, porque a equipe de cozinha da casa é de Minas.

Aqui em Brasília, por exemplo, a forte influência nordestina, muito positiva, vale lembrar, acabou incorporando elementos seus em pratos de outras regiões. Por exemplo, não é raro você encontrar em Brasília o feijão tropeiro feito a partir do feijão fradinho, ou feijão de corda. Claro que, bem feita, a iguaria pode ser saborosa, mas não é como o original que você come nos melhores restaurantes do interior de Minas, especialmente em Ouro Preto, lugar abençoado para se deliciar com o que há de melhor nas Gerais. Aliás, Brasília é uma cidade curiosa: como há gente aqui de todo lugar do Brasil, há comida de todo lugar, dos peixes da região amazônica ao tradicional Xis, o famoso sanduíche prensado dos gaúchos. Mas há um detalhe: procurando, você encontra tanto a comida bem original, feita por nativos que vieram para cá, como a, digamos, regional mista, que acabou sofrendo a influência da mistura cultural da cidade.

No caso da comida mineira, muita gente se arrisca a fazer e quase ninguém acerta a mão. Se você for a um restaurante desses que eu chamei acima de almoço executivo, que normalmente servem a quilo, vai sempre encontrar alguma dita comida mineira, seja um tropeiro, um tutu ou uma couve refogada. Mas, embora não sejam pratos mal feitos, estão longe de ser originais. Tutu com a consistência dura demais, tropeiro com feijão de corda, falta de ingredientes em outros pratos. Enfim, esse tipo de restaurante não é o mais aconselhável quando se busca uma comida autêntica.

É é aí que aparece a outra face de Brasília, essa bem mais apetitosa. Muita gente de várias regiões veio para cá e abriu casas especializadas em comida regional. E aí, meu amigo, é a hora da perdição! Exemplos não faltam: o Xique-Xique, que serve a sua famosa Completa, refeição com arroz branco, feijão de corda, macaxeira (que nós mineiros conhecemos como mandioca), a paçoca (uma espécie de farofa de carne de sol) e a própria carne de sol assada na brasa, é um belo exemplo da tradição nordestina aqui na capital da república. E numa esquina sem nome, como todas as esquinas de Brasília, fica a Esquina Mineira, um verdadeiro deleite para quem aprecia a melhor comida do mundo, com o perdão de todos os outros que me lêem. É lá que eu realmente mato a saudade da terrinha, sem contar, claro, as delícias que a minha esposa sabe fazer, criada que foi na tradição da boa culinária.

Do ovo frito (e não pense que fritar um ovo é uma coisa tão banal como dizem por aí) ao delicioso leitão à pururuca, tudo no Esquina Mineira é feito com a maior autenticidade, coisa que só um mineiro ou alguém que tenha adquirido seus conhecimentos de cozinha com gente de Minas sabe fazer. As sobremesas são um capítulo a parte: lembram a casa da minha mãe nos fins de semana. Goiabada cremosa com queijo bem verdinho, doce de abóbora com coco, ambrosia e o que mais você imaginar daqueles doces típicos da roça. E para quem aprecia, a pinga com mel é cortesia da casa. Tudo isso embalado por uma boa música caipira, que o pessoal da casa seleciona com muito critério.

E no fim das contas, minha conversa com a Simone foi mais uma vez materializada no Esquina Mineira. Só pela receita, é impossível preparar com autenticidade as deliciosas iguarias da Terrinha. Até porque, Minas é Minas, e ponto final. Bão dimais da conta sô!

sábado, 2 de julho de 2011

O acaso que mudou o Brasil


A frase não é minha. É do jornalista da rádio CBN Adalberto Piotto, que postou em sua conta no Twitter uma afirmação que, para mim, resume quem foi Itamar Franco: "... presidente por acaso, mas um acaso que mudou o Brasil".

Desde que soube da morte do ex-presidente e senador por Minas Itamar Franco, mergulhei na leitura de comentários postados no Twitter e em matérias, artigos e uma porção de outros textos fazendo referência a essa histórica figura da política brasileira. Portanto, depois de tudo que já se disse, fica impossível não ser repetitivo em alguns pontos.

O fato é que Itamar Franco entrou para a história como um presidente que assumiu um país solapado pela inflação, por uma crise institucional como poucas vezes se vira antes e com a credibilidade dos detentores do poder tão ou mais em baixa que nos nossos dias. Um presidente que assumiu um mandato com o simples objetivo de tentar impedir que o país afundasse ainda mais, depois do politicamente desastroso governo Collor. Um presidente que assumiu para garantir a manutenção das instituições, provando que, após uma crise grave, seria possível que o país ainda respeitasse a ordem democrática. Mas o que se viu em dois anos e três meses de governo foi muito mais do que isso.

A impressão que tenho, como incurável viciado em noticiários que eu já era, mesmo aos 19 anos de idade, é que Itamar Franco assumiu a presidência determinado a entrar para a história do Brasil. E ele teve sucesso. Na verdade, ninguém havia entendido muito bem por que razão o mineiro de Juiz de Fora, que sempre andara próximo das forças de centroesquerda, havia se unido ao governador alagoano Fernando Collor de Melo para ser seu vice na disputa presidencial de 1989. Por outro lado, esse estranho fato foi extremamente benéfico para o Brasil, considerando a radical mudança nos rumos do governo depois que Itamar assumiu a presidência. Não houve quebra do pacto institucional democrático, mas houve uma certa revolução silenciosa.

Tudo começara quando, já em 1991, depois de pouco mais de um ano de governo Collor, Itamar parecia arrependido de ter se unido ao presidente e começava a fazer críticas públicas ao governo. Em meados daquele ano, o jornal Folha de S. Paulo estampava na capa a manchete: "Itamar critica política recessiva de Collor". Nesse momento, presidente e vice já não se entendiam mais e Itamar mais parecia um político de oposição do que um companheiro de chapa. Foi assim que, logo que veio o escândalo envolvendo o presidente e seu amigo PC Farias, Itamar começou a se articular para a possibilidade, que ia se tornando cada vez mais factível, de se tornar presidente da república. Isso ocorreu em 2 de outubro de 1992, quando ele assumiu interinamente, com o empeachment de Collor decretado pela Câmara dos Deputados. Em 29 de dezembro do mesmo ano, o Senado decretou o afastamento definitivo do presidente e Itamar prestou juramento no Congresso Nacional como novo ocupante do cargo máximo do poder executivo no país.

Cabe aqui um esclarecimento: embora o presidente Fernando Collor tenha enviado sua carta renúncia ao Congresso, por meio do seu advogado, esta não foi aceita pelo presidente da casa, já que a sessão de julgamento do presidente já havia começado. Portanto, não foi a renúncia que afastou Collor definitivamente da presidência, mas o julgamento a que ele foi submetido no Senado. Detalhe: julgamento a revelia, sem o comparecimento do réu.

O erro histórico do PT

Quando assumiu o governo, Itamar quis conversar com todas as forças políticas para montar uma coalisão capaz de remar o Brasil na difícil travessia que o país tinha pela frente. Todas as forças mesmo! Do PFL de Antônio Carlos Magalhães ao PC do B de João Amazonas, passando pelo PMDB, PSB, PPS e naturalmente o PT. Tanto que vários políticos de peso da esquerda chegaram a ocupar ministérios no governo, como foi o caso de Jamil Haddad (saúde) e Walter Barelli (trabalho e previdência).

Mas se o diálogo funcionou bem para a grande maioria dos partidos, não se pode dizer o mesmo do PT. Temendo talvez um enfraquecimento da figura de Luiz Inácio Lula da Silva, o partido decidiu que faria oposição crítica, ou seja, não participaria do governo, votaria com o presidente quando concordasse com suas medidas, mas se colocaria como oposição quando discordasse. E a decisão foi radicalmente cumprida, tanto que Walter Barelli, que era filiado ao partido, se desfiliou do PT antes de assumir o Ministério do Trabalho.

Mas a grande polêmica envolveu a ex-prefeita de São Paulo, Luíza Erundina, que foi convidada pelo presidente para assumir a Secretaria de Administração Federal, cargo com status de ministério. Ameaçada pela cúpula do partido, Erundina não se intimidou e aceitou o convite, o que lhe valeu a expulsão do PT.

Após sucessivas trocas de ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que ocupava a pasta das relações exteriores, foi convocado para assumir os rumos da economia do país. Na verdade, o Plano Real começava a ser ensaiado antes, com a eliminação de três zeros do Cruzeiro, moeda que então circulava no país, e a troca do nome para Cruzeiro Real. Foi FHC que deu continuidade ao projeto, montando uma equipe que elaborou um plano econômico ousado, mas que se mostraria bem sucedido. Ao contrário da Argentina, que havia dolarizado sua economia, o Brasil optou por atrelar sua moeda podre a um fator diário de atualização, a URV. Assim, a moeda podre, isto é, o Cruzeiro Real, continuaria afundando, mas o indexador seria mantido estável. Posteriormente, o indexador foi convertido em moeda, estabilizando a economia e dando fim ao ciclo inflacionário que o país vivia. Todo esse sucesso credenciou Fernando Henrique a disputar a presidência e vencer já no primeiro turno as eleições de 1994.

Dizem que em história não existe "se", ou seja, que não devemos fazer especulações a respeito do que não aconteceu. Mas, como sou jornalista e não historiador, vou me dar ao luxo de quebrar a regra: o que teria acontecido se o PT não tivesse radicalizado e se recusado a participar do governo Itamar? Há quem diga que uma aliança PT-PSDB estava sendo preparada para as eleições presidenciais de 1994, numa chapa encabeçada por Lula e tendo o cearense Tasso Geressatti como vice. Verdade ou mera conversa de corredor, o fato é que a política é a arte de abrir portas, construir pontes e ocupar espaços. Assim, ao fechar a porta para Itamar Franco e deixar um vácuo político no governo, o PT permitiu que outras forças ocupassem o espaço. Fernando Henrique poderia ter continuado como um ótimo chanceler, sem alçar voos mais altos. Mas foi a inabilidade do PT que trouxe o sociólogo para o topo da cena política e, por consequência, lhe deu dois mandatos presidenciais.

E Itamar Franco? Entrou para a história como o presidente que fez, em dois anos e três meses, o que outros não haviam feito em mandatos completos: deu novos rumos à economia brasileira e deu novo gás à credibilidade das instituições democráticas. A virada começou ali. Foi no governo Itamar que o Brasil deixou de ser apenas motivo de chacota para os próprios brasileiros, aquele que recebeu uma banana do personagem Marco Aurélio, vivido por Reginaldo Faria em Vale Tudo, o país apenas do carnaval, das nádegas expostas e das belas praias, para se tornar um país de maior credibilidade e mais respeitado no cenário internacional. É evidente que ainda temos muitos e graves problemas: nossas instituições políticas continuam apodrecidas pela corrupção; educação e saúde vão mal; as diferenças sociais ainda são gritantes. Mas só um pessimista incurável poderia dizer que não somos um país melhor do que há 18 anos. PSDB e PT estão errados: o Brasil não nasceu em 2003, como afirma o PT, nem morreu em 2003, como apregoam os tucanos. O Brasil começou uma virada histórica em 1993, mudança que os governos de FHC e Lula tiveram a grandeza de não estragar.

E hoje, quando Itamar Franco nos deixa, fica ainda mais latente sua importância para a história do Brasil. Mesmo sendo um presidente que tanto alimentou o anedotário dos jornais e revistas, mesmo sendo zombado por pedir a volta do Fusca, com tudo isso, Itamar foi de fato o presidente que começou uma nova era na história do nosso país. E esse mérito ele leva consigo para sempre. Ficam as lembranças de um político sério, que levou a ética e o dever de governar às últimas consequências. Fica nossa saudade, aquela boa saudade mineira, de uma figura pública tão rara. Ficam nossas homenagens.

domingo, 15 de maio de 2011

Ed Motta, Odete Roitman e a "gente diferenciada"

Não é por acaso que três fatos que chamaram a atenção na semana passada tiveram, como pano de fundo, o preconceito em relação às classes sociais, às regiões de origem das pessoas e a uma certa antibrasilidade (se é que posso chamara assim) por parte de alguns. As lamentáveis frases escritas pelo cantor Ed Motta em seu perfil no Facebook, a recusa de moradores de uma região de alto poder aquisitivo de São Paulo em ter por perto uma estação do metrô, sob a alegação de que o transporte de massa leva uma "gente diferenciada", e as frases preconceituosas de uma torcedora do Flamengo em relação aos nordestinos podem ter origem num fenômeno antigo: a estagnação intelectual da antiga classe média brasileira.

Recentemente, numa entrevista para o canal por assinatura Globonews, a atriz Beatriz Segall afirmou que, no contexto político e econômico em que foi produzida a novela Vale Tudo, sua personagem na trama, a vilã Odete Roitman, tinha uma certa razão nas críticas que fazia ao país. Como devem se lembrar os que viveram o período da redemocratização do Brasil, não foi só a personagem de Beatriz Segall que disparou críticas em relação à falta de seriedade das instituições e até mesmo de parte do povo brasileiro. Os programas de humor da época se fartavam de dizer que, no Brasil, tudo se resolvia na malandragem, no jeitinho. E outro ponto dessa crítica era a inevitável comparação com os países do chamado Primeiro Mundo, mais especificamente Estados Unidos e os países europeus. Essas críticas nasciam dentro das pessoas de maior poder aquisitivo, que já naquela época viajavam para o exterior e compravam produtos importados, e era fartamente absorvida pelos mais pobres através da televisão.

Ocorre que, desde que o Brasil começou a tratar com seriedade alguns de seus problemas mais crônicos, como a inflação e a desigualdade, emergiu uma nova classe média, que só pôde se viabilizar porque experimentou uma condição mais favorável de renda, trabalho e até mesmo escolaridade. Fato é que o Brasil dos últimos 18 anos, os dois anos do governo Itamar Franco e os oito de FHC e de Lula, mudaram bastante o cenário econômico do país. E essa nova classe média que emergiu da pobreza tem um certo sentimento de gratidão por estar onde está. É claro que isso se traduz em votos, haja vista a tranquila reeleição de Fernando Henrique Cardoso em 1998, sinalizando que o povo aprovava as mudanças na economia, e as duas eleições de Lula, apontando o desejo de um aprofundamento nas questões sociais. Mas se traduz também numa defesa mais efusiva do país. Quem estava na miséria, ou muito próximo dela, durante os governos de Sarney e Collor, enxerga hoje um Brasil que, apesar de muitas deficiências, especialmente nas instituições políticas, é muito diferente (quero dizer melhor, mais atraente, mais interessante) do que aquele de quase 20 anos atrás.

E quanto àqueles que, no período da redemocratização, já pertenciam à classe média, especialmente a alta? Esse é um grupo para quem as mudanças ocorridas no país nos últimos governos não tiveram tanta importância. Essa classe média alta continuou indo ao exterior fazer compras, continuou adquirindo importados e continuou pensando que o que é bom vem de fora e o que é feito no Brasil não presta. Quando essas críticas estão focadas apenas nas coisas, como os produtos manufaturados aqui, ou nas instituições, o discurso, embora preconceituoso na essência, pode muito bem ser esquecido ou ignorado. O problema é quando esse pensamento, bem ao estilo Odete Roitman, se volta contra o povo.

Daí aparecem frases de preconceito regional, afirmando que pessoas de uma determinada região são mais bonitas e civilizadas do que de outras, como disse Ed Motta comparando o Sul do Brasil e a cidade de São Paulo com o restante do país. O que o cantor fez em seu perfil do Facebook foi nada menos do que utilizar velhos estereótipos para definir o povo brasileiro, como relaxado, mal vestido, feio etc. Também a torcedora do Flamengo, ao manifestar o seu desgosto pela derrota de seu time para o Ceará, trouxe nas palavras a carga de preconceito que vem do tempo em que o êxodo de nordestinos para o Sul e Sudeste era muito grande. Essa realidade mudou e hoje o nordeste recebe de volta muitos dos que um dia tentaram a vida em outros estados. Mas não mudou a mente da torcedora, que certamente ouviu esse tipo de frase em casa. É a mesma mentalidade que norteia os moradores do bairro paulistano de Higienópolis, que não desejam conviver com a tal "gente diferenciada", entrando e saindo de uma estação do metrô.

No caso específico de Ed Motta, cujo trabalho musical aprecio muito, as declarações soaram mais estranhas. Sobretudo porque, alguns dias antes, o cantor havia estado em Manaus e postou, no seu Twitter, elogios rasgados à capital amazonense, com especiais referências à culinária da cidade. É evidente que esse fato não diminui a gravidade do que o músico postou no Facebook. Também não ajuda a fala posterior de que se tratava de uma brincadeira com amigos. Talvez, se Ed Motta, especialista em vinhos, dissesse que havia passado da conta na sua experimentação, seria mais compreensível. Mas o fato é que, além de postar as infelizes ofensas a artistas e aos brasileiros de um modo geral, Motta discutiu com um jovem que questionou suas declarações, prova de que ele sabia que o perfil estava aberto e sabia bem o que dizia. É notório que o cantor nunca escondeu suas preferências por muita coisa que vem dos Estados Unidos, inclusive a música, que tanto o influenciou. Em seus tweets, Motta frequentemente usa expressões em inglês, principalmente para elogiar algo que deseja mostrar aos seus seguidores. Após um link do Youtube para determinada música, leem-se expressões como "deep", ou "deep style". O que não se sabia, e as frases no Facebook deixaram claro, é que essas manifestações americanizadas não são apenas um estilo, mas uma preferência e, pior, uma visão preconceituosa do seu próprio país.

Quem me conhece e acompanha o que escrevo aqui ou no Twitter sabe que não sou ufanista. Longe de mim aquela idéia de "pra frente Brasil", que funcionou tão bem no regime militar. Para mim, ir para frente é mais do que ter uma música, uma boa seleção de que esporte seja. Ir adiante na história é fazer com que o povo se veja como nação e, com os pés fincados na realidade, trabalhe para construir o futuro. Acho que, aos trancos e barrancos, em meio a escândalos, politicagens, o Brasil tem sobrevivido e melhorado. Não podemos achar que estamos no paraíso, mas também não podemos pensar que, ao pousarmos no aeroporto JFK, em Nova York, estaremos na terra de todos os sonhos. Contudo, infelizmente, parece que a antiga classe média alta, para quem o país estar bem ou mal faz pouca diferença, já que ela tem os recursos para se manter de um jeito ou de outro, ainda enxerga o país como o Brasilde Odete Roitman, Ed Mota e dos moradores de Higienópolis. Já cheguei a ouvir até que, se a Apple de fato abrir uma fábrica no Brasil, IPhone, IPad e os demais produtos da companhia vão perder em qualidade, já que tudo que é fabricado neste país não presta. O que muitos se esquecem é que os produtos tão orgulhosamente comprados nos Estados Unidos foram, em grande parte, produzidos na China, Malásia, Singapura e outros tigres asiáticos.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O Mexidão foi no Congresso Nacional!

Deu tudo certo. Saiu exatamente como o planejado. Quase nada fora do script. Talvez um número de votos menor que o esperado, talvez votos em excesso para um rebelde, mas, no fim das contas, as eleições que definiram os presidentes da Câmara e do Senado ontem foram de acordo com o que o governo desejava. Aliás, não só o governo, e talvez seja esse o grande problema.

Na verdade, o que aconteceu ontem não é mais do que um retrato de como vem sendo tratada a relação entre os poderes da república desde a redemocratização do país, em 1985. É claro que, num cenário político/econômico de grande instabilidade, como foram os períodos de José Sarney e Fernando Collor na presidência, existe mais espaço para a "rebeldia" dos parlamentares insatisfeitos e a oposição tem mais bala na agulha para se afirmar como oposição. Mas, quando o país encontra o rumo da estabilidade, como ocorreu a partir da segunda metade do governo de Itamar Franco, ser contra se torna, por assim dizer, criticar o que está dando certo. E obviamente ninguém quer o desgaste de fazer papel de chato diante da opinião pública. Talvez por isso, os governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula experimentaram pouca oposição, ou ainda, uma oposição desqualificada, desprovida de argumentos e cuja fala soava no vazio.

No governo FHC, ainda tínhamos um PT que, mesmo de maneira atabalhoada, assumia o papel de criticar o governo. Mas o PT ainda não havia experimentado as maravilhas do poder nesse período, de maneira que era mais fácil afirmar que, se estivesse no lugar dos tucanos, faria diferente. O PT chegou ao poder e, de duas uma: ou achou que os tucanos estavam certos e por isso não mexeu na essência da política de FHC, ou, mesmo discordando, não tinha de fato uma proposta de país melhor do que a dos antecessores.
Para o PSDB, a situação ficou ainda pior depois da eleição de Lula. Como fazer oposição se os adversários mantinham aquilo que havia sido implantado no governo tucano? Isso tornou o discurso peessedebista sem credibilidade. Muito possivelmente, isso explica o fracasso tucano nas duas últimas campanhas presidenciais.

Toda essa história é para ilustrar o quadro que vivemos hoje na política brasileira. Certa vez, em entrevista a um jornal de Belo Horizonte, o então prefeito da capital mineira e hoje ministro do desenvolvimento, indústria e comércio, Fernando Pimentel, chegou a dizer que, quem quer que assumisse o governo, a estabilidade conquistada a duras penas não seria posta em xeque. O que ele quis dizer, e com razão, é que não há mais espaço para soluções milagrosas no Brasil. Quando o país está caminhando de maneira tranquila, sem sobressaltos e com estabilidade política e econômica, fecham-se as portas para agendas messiânicas. Isso é bom? Sim, por uma parte. É sinal de que o país está prosperando e isso é reconhecido pelas principais correntes políticas. Por outro lado, a oposição perde boa parte do combustível que dá vida ao seu discurso e acaba sedendo a muitas das vontades do governo.

É isso que aconteceu ontem no Congresso. A eleição de Sarney e Marco Maia para presidir o Senado e a Câmara foi fruto de um grande acordo entre os partidos da base aliada e da oposição. O pior é que esse acordo não leva em conta apenas a estabilidade dos trabalhos no parlamento, mas tem uma contrapartida do governo, que é a generosa distribuição de cargos entre os partidos que o apóiam. Que a política brasileira é fisiologista e que os cargos são a razão do apoio de muitos partidos, não é novidade para ninguém. O mais grave é que, se a oposição aceita participar do acordo em nome da chamada construção do consenso, é sinal de que ela também compactua com os métodos do governo. E agora José? Que base tem para criticar o governo uma oposição que compactua com as manobras pouco éticas desse mesmo governo?

O fato é que o Congresso Nacional foi palco ontem da demonstração de que, atendidos os interesses de cada grupo político, governo e oposição podem caminhar de mãos dadas, numa espécie de pacto de não agressão, como aquele assinato por Hitler e Stalin antes da II Guerra Mundial. No fim das contas, governo e oposição fizeram um mexidão de camaradas, o que provou que as instituições políticas do país vão mal. Ao fim e ao cabo, PT e PSDB nada mais são do que as duas faces de uma moeda podre: o parlamento brasileiro.