O mais recente embróglio no qual se meteu o Ministério da Educação, na tentativa de explicar o inexplicável e justificar o injustificável, isto é, o segundo ano seguido de problemas na aplicação do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), trouxe ao debate as evidentes fragilidades da instituição no aspecto organizacional/logístico. As falhas verificadas no ano passado, com o extravio de provas e o vazamento de dados dos estudantes cadastrados para realizar o exame, já deveria ter servido de bom alerta para que, no Enem 2010, o governo tivesse um pouco mais de critério na contratação das empresas responsáveis pela prova, desde sua elaboração até etapas como impressão, transporte e distribuição. Os acontecimentos deste ano provam que isso não ocorreu.
Entretanto, os sucessivos problemas na aplicação do Enem podem não trazer a baila uma discussão talvez mais importante do que a simples logística. E, infelizmente, a imprensa gasta às vezes tempo demais no superficial e aprofunda de menos as discussões que deveriam ser centrais, mas passam a ser periféricas. Nesse caso, pouco se falou no objetivo da aplicação do Enem, ou seja, para que ele serve. Penso que esse deveria ser o centro da discussão. Toda a polêmica criada em torno da aplicação do exame só teve lugar porque, com a adoção da nota do Enem, total ou parcialmente, como critério para o ingresso nas universidades públicas, ele passou a ter uma importância vital para os estudantes em vias de concluir o ensino médio. Talvez, se as notas não tivessem tanto valor, alguns estudantes não estariam tão preocupados se o seu caderno de questões era amarelo ou de qualquer outra cor, se o seu gabarito estava correto etc.
Ora, todo esse frenesi ocorre exatamente porque, nos últimos anos, o governo inverteu o papel que cabia ao Enem, que passou a ser muito mais uma espécie de substituto para o vestibular do que um sistema de avaliação do ensino médio, objetivo para o qual ele foi criado. Para quem não se lembra, o Exame Nacional de Ensino Médio foi criado ainda no governo FHC, algum tempo depois do Exame Nacional de Cursos, o chamado Provão, instituído para avaliar o ensino superior. Apesar de criticar duramente o Provão, com bastante barulho feito pela União Nacional dos Estudantes (UNE), o PT manteve o sistema, trocando apenas o nome para Enad, e manteve com o mesmo nome o Enem. Partiu de algumas universidades a iniciativa de utilizar a nota do Enem como parte da avaliação para o ingresso de novos universitários. Posteriormente, o governo alinhavou um grande acordo com as universidades federais, que permitiu aos estudantes pleitear vaga em um determinado curso em dada instituição a partir do resultado obtido no exame.
Esse sistema trouxe vantagens, como o fim da necessidade de se prestar vários vestibulares. Por outro lado, o objetivo que ensejou a criação do exame, ou seja, avaliar as instituições de ensino médio no Brasil, se perdeu completamente. E a razão é simples: se a nota do Enem determina o ingresso ou não do estudante em determinada universidade em um certo curso, é evidente que o foco do aluno passa a ser um bom resultado na prova. Assim, ele se prepara, estuda a partir de provas passadas, chegando, em alguns casos, a frequentar cursos preparatórios para prestar o exame.
Ora, como é possível avaliar a escola na qual o indivíduo cursou o ensino médio se ele, em vez de levar com normalidade sua vida acadêmica, passou horas por dia se preparando para esse exame? Na verdade, o que está-se avaliando com o Enem é a capacidade dos alunos de absorver conhecimento a partir de uma atividade intensa de estudos, ou seja, exatamente o mesmo tipo de avaliação feita com o vestibular. Bingo! Dá então para deduzir que o Enem não é sequer um substituto para o vestibular, posto que o Enem nada mais é do que um vestibular em nível nacional.
O resultado disso é que o governo não dispõe atualmente de instrumentos/mecanismos eficazes para avaliar o ensino médio no país. O papel do Enem para esse fim foi suprimido e nada foi colocado no lugar. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) poderia ser uma resposta a essa lacuna, mas ele é amplo demais para obtermos um retrato especificamente sobre o ensino médio.
É evidente que o clássico vestibular, sozinho, não era o instrumento adequado para o acesso à universidade. Mas utilizar o Enem para isso configura outro erro, desviando o propósito de um instrumento criado para algo tão vital quanto entrar para o ensino superior: avaliar o ensino médio para corrigir suas falhas e permitir que o aluno que ingresse na universidade esteja mais bem preparado.
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